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A resposta não é a IA! Manifesto de solidariedade com a campanha A resposta somos nós
campanha
Authors: Laboratório de Políticas Públicas e Internet, Instituto de Defesa de Consumidores, Coding Rights, Green Web Foundation, Green Screen Coalition
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Em apoio à campanha A Resposta Somos Nós, compartilhamos esta declaração de solidariedade e reafirmamos as principais reivindicações do movimento.
Como organizações da sociedade civil no Brasil e em todo o mundo, que há muitos anos atuam na defesa dos direitos digitais e da justiça tecnológica, manifestamos profunda preocupação com a atual trajetória das tecnologias que ameaçam pessoas, territórios e sistemas que sustentam a vida no planeta. Tal como vem sendo desenvolvida e implementada, a inteligência artificial intensifica a exploração dos territórios e impulsiona um futuro baseado em vigilância e alta emissão de carbono. Estamos profundamente preocupades com a centralização de poder tecnológico, seus amplos impactos sobre o meio ambiente e as comunidades que vivem em regiões de fronteira da extração e produção da cadeia de valor do setor, bem como com o uso dessas tecnologias para aprofundar danos e desigualdades.
Na COP30, estamos ao lado dos povos indígenas e das comunidades de linha de frente que resistem à exploração e defendem sua soberania territorial. O conhecimento ancestral, a luta coletiva e a construção de sociedades saudáveis afirmam que a tecnologia deve estar a serviço das pessoas e dos territórios. As infraestruturas digitais devem ser desenvolvidas dentro dos limites planetários e orientadas pela justiça, pelo cuidado e pela autodeterminação dos povos indígenas e das comunidades que vivem em conexão com a terra.
1. DIREITOS TERRITORIAIS = AÇÃO CLIMÁTICA
As tecnologias devem atender às necessidades de todos os povos e ecossistemas que habitam os territórios. No entanto, as infraestruturas digitais são frequentemente impostas sem consentimento, repetindo padrões coloniais de exploração e destruição. Megaprojetos tecnológicos se aproveitam da histórica expropriação e da retirada de direitos territoriais de comunidades indígenas, pois são dependentes da ausência de fiscalização e da falta de garantia efetiva dos direitos indígenas à terra. Proteger os territórios também significa proteger nossos dados, nossos saberes, nossas formas culturais de vida e nosso direito de decidir quais tecnologias entram em nossas vidas — assegurando que o desenvolvimento tecnológico respeite a vida, a cultura e o equilíbrio ecológico.
2. DESMATAMENTO ZERO
Uma transição digital verdadeiramente justa requer desmatamento zero e tolerância zero para projetos tecnológicos que degradam ecossistemas e exploram comunidades. O desmatamento e o extrativismo de dados compartilham a mesma lógica: a transformação da vida em recurso mercantilizado. As indústrias digitais, a inteligência artificial, a computação em nuvem, as economias de plataforma (e as criptomoedas) dependem e exploram desigualdades geopolíticas de poder, minerais raros, consumo massivo de energia e água, e o trabalho precário que sustenta todo esse sistema. Essa rápida expansão é irresponsável e corre o risco de aprofundar a degradação socioambiental.
3. NÃO AOS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS! NÃO À MINERAÇÃO EM NOSSOS TERRITÓRIOS!
Exigimos transparência sobre as emissões dos data centers e de toda a cadeia de fornecimento da inteligência artificial, incluindo seus impactos sobre os territórios, água, biodiversidade, e comunidades, bem como mecanismos claros para exigir ação das empresas e dos atores que as sustentam. A expansão da IA está impulsionando o uso de combustíveis fósseis tanto de forma direta — por meio de data centers movidos a gás — quanto indireta, ao elevar a demanda total de eletricidade além da capacidade atual das fontes renováveis. Essa pressão compromete as metas de descarbonização e desvia recursos de setores públicos essenciais. No Sul Global, aprofunda ainda mais os padrões de exploração por meio da mineração para eletrificação e de grandes projetos energéticos, frequentemente ignorando a governança local e a fiscalização ambiental. Nenhum combustível fóssil deve ser queimado em qualquer etapa da cadeia tecnológica!
4. PROTEGER AS DEFENSORAS E OS DEFENSORES! PROTEGER NOSSOS MODOS DE VIDA!
Estamos ao lado das defensoras e dos defensores do meio ambiente. Proteger quem protege é a forma de construir futuros viáveis, enraizados no cuidado, na solidariedade e no respeito aos limites do planeta. Exigimos proteção para as pessoas que defendem os direitos humanos, ambientais e territoriais e que sofrem ameaças por denunciarem abusos corporativos e resistirem à destruição dos meios de vida em seus territórios. Povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, assim como comunidades negras e periféricas urbanas, estão se levantando contra a instalação de data centers e projetos energéticos sem a devida consulta. Elas e eles representam a luta contra um modelo de desenvolvimento que viola direitos e apaga modos de vida tradicionais.
5. ACESSO DIRETO AO FINANCIAMENTO CLIMÁTICO
O financiamento climático deve apoiar a produção de conhecimento científico enraizado nos territórios e fortalecer os sistemas de conhecimento indígena por meio da transferência tecnológica territorial. Esse financiamento precisa impulsionar a diversidade de caminhos tecnológicos e estabelecer protocolos de governança de dados que sejam juridicamente, comercialmente e politicamente vinculantes. Também deve sustentar o cuidado comunitário, a governança ética dos dados e a conectividade significativa. O financiamento climático não pode reforçar visões monoculturais de inovação que perpetuam um modelo de desenvolvimento baseado na extração de recursos e no controle tecnológico.
6. PARTICIPAÇÃO COM PODER REAL
Participação real significa que as comunidades detêm poder de decisão em todas as etapas da produção de conhecimento sobre seus territórios. A participação deve ser orientada por protocolos de consentimento das comunidades, pelo reconhecimento da geração cidadã de dados e pela supervisão territorial sobre o licenciamento ambiental e o manejo dos dados — com poder real de decisão sobre tanto a instalação das infraestruturas quanto o uso das tecnologias. A participação efetiva fortalece as práticas de mapeamento indígenas e locais, que oferecem múltiplas formas de adaptação climática. Os dados coletados “de cima” não podem substituir os saberes que vêm “de baixo”.